TransPortugal Europcar Race 2019 - Day 4 ^Destaque

Não é a primeira vez que por aqui se menciona a velha mania de inventar asas, pois o homem não se contenta em ser aquilo que é, desejando também ser pássaro, peixe e até planta. Sucede, porém, como bem assinalou Douglas Adams, que há uma arte, ou melhor, um truque para voar. O truque consiste em atirar-se ao chão e errar. E aqui é que reside a maior dificuldade, pois é preciso falhar o chão acidentalmente. Ao que se sabe, a maior parte do pessoal cai, com exceção de Artur Dent e, a partir de hoje, de Will Mariette (FR)-773, 50º na etapa, cujo GPS registou a velocidade máxima de 87,57km/h, e Paulo Coelho (PT)-777, 28º, que registou 90,7km/h. Com estas velocidades loucas é apropriado dizer que falharam o chão por acidente. Nem viram os cucos.

Davide Machado (PT)-823, o vencedor da etapa de hoje, e o “camisola amarela” Renato Ferreira (PT)-822, que chegou em 2º, completaram a etapa em 03h03min51s e em 03h09min09, respetivamente, com velocidades médias de 27,74 km/h e 26,96 km/h. Asseguram ambos que, salvaguardadas as descidas, ainda conseguiram apreciar a paisagem, mas nós sabemos que não viram os cucos.

O dia começou mal, climaticamente falando. Serge Pereira (FR)-603, 19º na etapa, filmava a paisagem nebulada da Serra da Estrela e dizia “voilà”, ao mesmo tempo que Chad Jarret (US)-815, 9º, estava convicto de que, fosse a prova nos Estados Unidos da América, a partida seria cancelada. Mas foi-se a neblina pelas 10h e às 11h da manhã a Serra exibia-se cristalina, deslumbrante. Ficou o vento, que lhes andou a azucrinar os ouvidos e, por isso também, não viram os cucos.

Há uma certa loucura em tudo isto. A loucura que em todos nós reside em dose controlada. Aquela que chamam de “saudável”, como se fossemos qualificados para distinguir esta da outra, a que apaixonou Marco Costa (PT)-776, o 3º voador do dia. Depois de 7 anos de emergências hospitalares e do desgaste do trabalho por turnos, este enfermeiro de 37 anos procurou a vida ordenada numa casa de saúde mental, com as valências de psiquiatria, psicogeriatria e deficiência intelectual. Hoje, Marco é enfermeiro-chefe, com a coordenação de 16 enfermeiros e 40 auxiliares, tendo a seu cargo cerca de 168 doentes. Exercendo uma das profissões mais humanistas do mundo, Marco é fascinado pela relação com os pacientes. Participar na TransPortugalera um dos sonhos de Marco, que assim se realiza e que lhe valeu a perda de 16kg, nos meses de treinos. Quanto ao desempenho de Marco, tem sido surpreendente.

Na etapa de hoje, a equipa Europcar dominou as duas primeiras posições, com Davide Machado (PT)-823 a cruzar a meta cerca de 5min antes do colega de equipa Renato Ferreira (PT)-822. Em terceiro chegou Marco Costa (PT)-776, seguindo-se depois Jakob Björklund (SE)-795 e só então Marco Macedo (PT)-362, que partiu uma roda durante o trajeto. O sexto foi Romain Nogueira (FR)-768, seguindo-se Hugo Dias (PT)-800, Andrej Rakow (ZA)-65, Chad Jarret (US)-815e Rich Damant (ZA)-793.

A primeira mulher foi ainda Jill C Mairs (US)-762, desta vez na 23ª posição, tendo sofrido uma queda ligeira mas retardante. Lis Koehl (NL)-388 chegou em 32º, Gégé Bereau-Wexler (FR)-819 em 63º e Anel Fourie (ZA)-809 em 84º.

Na classificação geral, Renato Ferreira (PT)-822, da equipa Europcar, mantém a liderança, destacando-se agora a subida de Davide Machado (PT)-823 para a segunda posição, a 12min09s. Marco Macedo (PT)-362, Epic Bike Store, desce assim para 3º, ficando a 20min21s do primeiro classificado. No demais, a classificação não sofreu mudanças até à posição 18, agora ocupada por Lourenço Lobo (PT)-436, também da equipa Europcar. Assim, do 4º ao 10º lugares estão Marco Costa (PT)-776, Marques&Pereira/EM3/Os Beirões, Jakob Björklund (SE)-795, team Skoglöfs Bil IF/Ktmbikesswe, Hugo Dias (PT)-800, “o Bandarra”, do Bandarras Clube de Ciclismo de Trancoso, Rich Damant (ZA)-793, da Bok Boys and Special Person, Chad Jarret (US)-815, CZ Racing, Andrej Rakow (ZA)-650, também de Bok Boys and Special Person e em 10º Romain Nogueira (FR)-768, da TCV91.

O cuco-canoro, ou cuculus canorus, é uma ave que pode ser avistada nas Serras da Estrela e da Gardunha. Tem a particularidade de ser uma ave parasita, cujos ovos são depositados em ninhos alheios, por uma mãe que os dá para adoção. Até aqui tudo bem. Só que a natureza nem sempre é fofinha. A “mãe cuca” destrói um dos ovos alheios para colocar o seu, o mesmo fazendo os passarinhos cucos que, ao nascer, assassinam os irmãos. Fica-se com menos pena de terem chamado um pau para vir bater no cuco, que não queria comer as couves.

Quanto ao filme de Milos Forman, fica só a dica.

A quinta etapa da TransPortugal Europcar Race 2019, de Castelo Branco a Évora, tem 190km e 2067m de elevação. A etapa é marcada pela sua extensão e pela entrada na Região do Alentejo. Um dos pontos a destacar é a deslumbrante passagem pelas Portas do Ródão. O percurso passará por Nisa, localidade do famoso queijo. O segundo posto de controlo da etapa marca também a metade do trajeto global da prova, aos 448km. Mais à frente, os atletas atravessarão Alter do Chão, e já quase no final, avistarão a Barragem de Divôr. As planícies alentejanas são caracterizadas pelos montados, longas searas e pela presença de sobreiros e flores de esteva, símbolo da prova.

“(…)mandaram chamar a morte

para vir levar o polícia

e a morte ia levar o polícia

e o polícia já quis prender o homem

e o homem já quis matar o boi

e o boi já quis beber a água

e a água já quis apagar o fogo

e o fogo já quis queimar o pau

e o pau já quis bater no cuco

e o cuco já quis comer as couves

e não mais se ouviu dizer

couves não quero comer”

(Era uma vez um cuco que não gostava de couves, canção infantil tradicional)