TransPortugal Europcar Race 2019 - Day 5 Destaque
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“ODISSEIA”
Já depois da guerra de Troia, o regresso de Ulisses (Odisseu) a casa é marcado por diversas aventuras e alguma má sorte. Numa ocasião, Ulisses é ajudado pelo deus Éolo, que lhe oferece um saco de couro, contendo todos os ventos, exceto o vento Oeste, que seria favorável à armada. Porém, a ganância dos marinheiros fê-los abrir o saco, libertando os ventos e desordenando a navegação. Depois deste episódio, os navios perdidos vão ao encontro de um gigante antropófago, o canibal Lestrigão, sobrando apenas um. Metade da tripulação do navio sobrevivente é então alimentada com vinho e queijo pela deusa Circe, que depois transforma os homens em porcos. Noutra ocasião, ficaram um ano inteiro em festarola, com bebidas e banquetes (Um ano, quem nunca?)
À hora da partida em Castelo Branco, o dia estava cinzento, mas nem chovia. A chuva apareceu um pouco mais adiante, daquela persistente e fininha, mesmo a molhar. E por serem 190km até Évora, com chuva e vento contra durante grande parte do trajeto, é adequado convocar a Odisseia, pois o feito foi épico e os maiores monstros estão, muitas vezes, dentro das nossas cabeças.
O vencedor da etapa foi o sueco Jakob Björklund (SE)-795 que superou as suas melhores expetativas. Nunca tinha participado numa prova por etapas. Originário da ilha de Gotlândia, mas atualmente residente em Kristinehamn, Jakob está habituado a treinar em condições muito adversas, com neve, frio e sozinho. Treina cerca de 400 horas por ano, quase sempre de madrugada, antes de entrar ao trabalho na Volkswagen. Grande amante de música, em particular de Glen Hansard, Jakob faz questão de mostrar os retratos dos seus dois filhos, de 2 e 4 anos. É neles que pensa, na enorme saudade. Quanto à paisagem, nem deu para ver. No grupo de Jakob, a passar a meta no segundo seguinte, chegaram Marco Macedo (PT)-362, hoje numa ciclo-cross, o líder Renato Ferreira (PT)-822 e Davide Machado (PT)-823. Vinham, ainda assim, fresquinhos. Semi-deuses, portanto. Ou seja, heróis na mitologia grega.
Chad Jarret (US)-815, o 5º, cruzou a meta a rir, como já é seu hábito. Abanou a cabeça para dizer: “vocês são loucos. Eu ainda sou 30% português, já sei de onde vem a minha loucura”. Loucos, nós?!
Outro homem habituado à dureza dos treinos solitários é Hugo Dias (PT)-800, o Bandarra, que treina depois do trabalho, a partir das 20h. Originário de Trancoso, Guarda, Hugo é vendedor especializado na área das telecomunicações e também pai de um rapaz de 17 anos. Já treinam juntos, mas só aos fins de semana. Na etapa de hoje, Hugo chegou com outro beirão, Marco Costa (PT)-776 e com o luso-descendente Romain Nogueira (FR)-768, os três em 6º lugar. Sobre monstros destacam a barreira dos 100km. Nunca mais se chegava aos 100, diz Marco. Romain sorri, parece que nada lhe custa. Na meta aguardavam-no o seu pai português e a sua mãe francesa.
O grupo seguinte foi de Francisco Carneiro (PT)-262, Paulo Moura (PT)-385e, instantes depois, Edgar Castaños (MX)-360, respetivamente em 9º ex-aequo e em 11º.
Serge Pereira (FR)-603, o 12º, cruzou a meta e atirou-se ao chão. Corremos para ele, assustados. Sorria. Não era quase nada, só sede. Foram 30km sem beber, sempre a acelerar. Serge é também luso-descendente, com família na zona de Alvaiázere, Fátima. Reside em Château-Landon, perto de Fontainebleau e serve de tradutor aos restantes membros da equipa francesa. Serge fez também a TransPortugalna famigerada edição de 2016, na qual obteve o 26º lugar. Bombeiro de profissão, tal como Will Mariette (FR)-773 [um dos homens-bala de ontem, hoje 46º], Serge tem um sentido de humor imbatível. Ao raiar do dia salientou: “os pássaros cantam, até logo”.
Em 190km passam muitas coisas pela mente. Há momentos de ânimo e energia, há o impulso de ultrapassar quem se avista, a preocupação com a comida, o frio, depois o calor. E há momentos de extremo cansaço, que traz o perigo da “desmoralização”, do homem da marreta ou do “muro”. Há telefonemas que não se atendem, há pormenores no caminho, há um certo olhar sobre as flores.
Tantas horas num selim não são uma linha reta. Já não é o corpo. São encontros bizarros com a nossa bagagem mental.
Na classificação geral, não se registam alterações nos primeiros 6 lugares. Renato Ferreira (PT)-822 e Davide Machado (PT)-823, da equipa Europcar, mantêm os 1º e 2º lugares. Seguem-se Marco Macedo (PT)-362, Epic Bike Store, Marco Costa (PT)-776, Marques&Pereira/EM3/Os Beirões, Jakob Björklund (SE)-795, team Skoglöfs Bil IF/Ktmbikesswe, Hugo Dias (PT)-800, “o Bandarra”, do Bandarras Clube de Ciclismo de Trancoso. Chad Jarret (US)-815, CZ Racing, sobe agora para a 7ª posição, seguido de Romain Nogueira (FR)-768, da TCV91, que sobe 2 lugares, Andrej Rakow (ZA)-650, de Bok Boys and Special Person, e Peter Minnaar (NL)-529.
Jill C Mairs (US)-762 (Kühl Cycle)ocupa a 13ª posição, Lis Koehl (NL)-388 a 29ª, e Gégé Bereau-Wexler (FR)-819 a 54ª.
A 6ª etapa da Transportugal Europcar Race 2019 inicia-se nos arrabaldes de Évora, estendendo se por zonas de grandes propriedades, ocupadas com vinha, oliveiras, soutos e carvalhos. A etapa, com 101km e 892m de subidas, permite atravessar o coração alentejano a grande velocidade. Os pontos a destacar serão a passagem pela Barragem do Alvito e vila de Cuba. O trajeto é ladeado por milhares de estevas.
“Muitos foram os povos cujas cidades observou,
cujos espíritos conheceu; e foram muitos no mar
os sofrimentos por que passou para salvar a vida,
para conseguir o retorno dos companheiros a suas casas.
Mas a eles, embora o quisesse, não logrou salvar.
Não, pereceram devido à sua loucura,
insensatos, que devoraram o gado sagrado de Hipérion,
o Sol — e assim lhes negou o deus o dia do retorno.”
(Odisseia, Homero)